sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A MARGEM OCULTA - POEMA DE JURACI SIQUEIRA PARA BENEDICTO MONTEIRO

A MARGEM OCULTA


- Para Benedicto Monteiro -



Caminheiro errante Orfeu demente

nascido entre cipós e jarandubas

nas brenhas deste verde labirinto

em ano dia e hora sepultados

a sete palmos da memória turva,

aqui deixo este canto calcinado

pelo fogo insaciável das palavras

àqueles que procuram na existência,

uma razão qualquer para viver.

Rasgando o medo e a dor fazendo fendas

na vida eis-me aqui para dizer-te

que vi um girassol desabrochando

sob o lençol de uma manhã vindoura.


E tu – fonte de sonhos lacerados

pelo peso do lenho e dos pecados –

que tens de alvissareiro a me dizer?


Acaso vislumbraste no horizonte

algum novo caminho alguma ponte

que te ponha a salvo do motim?


O tempo dita as regras deste jogo:

depois de batizar-te a ferro e fogo

te enforcará com os raios da manhã!


Já declina o Sol . A noite avulta!

É tempo de explorar a margem oculta

desse rio de mitos e conflitos.


Eu sou. Tu és. Nós somos afluentes

desse rio – medula do universo

que nasce no infinito e desemboca

no âmago do Ser que somos parte.


Agora que já sabes que és rio

deves saber também que o teu destino

é fazer teu caminho caminhando:

tu és ao mesmo tempo oleiro e barro

tu és num só momento o boi e o carro!


E como rio deves morrer todas as noites

e renascer todos os dias sempre menino

e sempre outro – embora sendo o mesmo

que há milênios corre entre delírios

de lendas e contendas reveladas

nas pedras que circundam mil segredos!...


É preamar. Em plenilúnio a Lua desponta

e monta guarda enquanto o Sol descansa.


Indiferente o rio corre na Vida


e a Vida por sua vez corre no rio;

o rio fez do correr perene lida

e a vida do viver eterno cio...




Antonio Juraci Siqueira







Nenhum comentário: