Por isso, vivi toda a
minha vida sonhando. Tanto que, quando consegui entrar em contato com a
realidade física, orgânica e visível do ser humano, senti as maiores
alucinações e sofri também as piores frustrações.
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É muito difícil, ainda hoje, separar os meus sentimentos religiosos, políticos e sociais neste meu processo permanente de dúvida e conhecimento. É muito difícil classificar-me, codificar-me, identificar-me.
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Foi na prisão
que eu encontrei a minha verdadeira liberdade. Construindo o meu próprio mundo,
eu aprendi a me isolar de tudo e de todos. Aprendi a vencer as circunstâncias,
a me integrar e a me entregar completamente ao meio ambiente. E como já disse e
vou dizer muitas vezes, foi escrevendo que eu consegui exercer a minha mais
íntima liberdade.
Fiz da minha cela solitária um universo, do qual bani a minha angústia e povoei de todos os
meus sonhos. Nele, comecei a criar as muitas paisagens e nele nasceram os meus
primeiros personagens.
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Depois que comecei a
escutar o barulho do silêncio, o espaço foi diminuindo, foi diminuindo
aquém das medidas físicas daquele cubículo. Achei então a porta de ferro mais
agressiva e intransponível. Pensei que ela, só, fecharia todo o mundo para
mim. Barraria todos os caminhos. O chão de cimento liso, no princípio,
pareceu-me uma corda bamba. Onde eu não sabia se sentava, se deitava ou se
ficava de cócoras ou de pé. Lamentei muito não saber ioga. Mas depois, consegui
sentar, deitar e dormir. Meu primeiro sono foi tumultuado porque o som da
conversa dos soldados entrava na cela para me acordar. Como eram propositais
para me fazer crer que eu seria fuzilado, o espaço da cela e o frio do chão ficaram logo alterados. O tempo também. Já
que eu ia morrer de madrugada, ele deixaria de existir como medida para mim.
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